O NOME NA PEDRA / Marcos Quinan

Do alto via o arquipélago, admirado com a beleza do sol se esparramando pelas ilhas naquelas primeiras horas da manhã, fazendo com que ele nem se lembrasse da ressaca depois da última noite de sua passagem por Natal, da festa popular e da jovem que o levou a um bar; depois, com o blecaute, por um corredor comprido até o cabaré nos fundos. Nada parecido com as noites de Belém, de onde sentia saudade do tempo que lá passou na montagem dos equipamentos durante a concretagem e o asfaltamento das pistas do Aeroporto de Val-de-Cans. Sentia falta do Night End, onde foi assíduo frequentador do ambiente, de suas mulheres, das comidas exóticas servidas na madrugada, das bebidas autênticas e do repertório requintado do jovem pianista Waldemar, que o levava para lembranças da mocidade e da única mulher que amou. Para o tenente, lugar de jamais esquecer, onde fez inúmeros amigos, como o espalhafatoso engenheiro Miranda, um dos responsáveis pelas obras do Dique de Belém margeando o rio Guamá, o Boca, vagamundo que dominava muitas línguas aprendidas com os marinheiros ciceroneados por ele pelos lugares de jogatina, pelo também inesquecível Bar do Parque e por cabarés ou sofisticadas casas de tolerância. Como esquecer as conversas, quase diárias, com o fraterno e perspicaz jornalista Proença no balcão do Central, dobrando horas?

Fui apresentado ao Marcos Quinan pelo compositor, cantor, arranjador e escritor Celso Viáfora no boteco virtual do Celsão, que comecei a frequentar em alguma sexta-feira do início do ano de 2020. Aos poucos, em nossas conversas, percebi que muito além do artista plástico havia nele o dramaturgo, o escultor, o fotógrafo, o produtor, o compositor, o poeta e o escritor com uma ligação visceral com nossa cultura. De Ipameri (GO), onde nasceu, até Belém do Pará, onde vive atualmente (depois de morar em Goiânia, Porto Alegre e Rio de Janeiro), Quinan foi se multiplicando em artes só mostradas inteiramente ao público após seus cinquenta anos. Depois de ler seus livros, ouvir muitas de suas músicas e ver alguns de seus trabalhos, posso dizer que conheço parte considerável do legado artístico diverso, rico e personalíssimo desse goiano-paraense, brasileiro ao extremo. Depois de centenas de horas de prosas, poesias, audições musicais e conversas de boteco, posso dizer que admiro e respeito cada vez mais esse artista, amigo também ao extremo. O Nome na Pedra, este seu novo livro, retrata com muita lucidez criativa o Arquipélago de Fernando de Noronha, juntando à ficção episódios da nossa história. Os quarenta e seis contos que integram a obra começam, precisamente, pela cessão da terra que originou a Capitania Hereditária de São João da Quaresma, tendo como donatário Fernão de Loronha, judeu português convertido ao catolicismo, certamente por força da Inquisição. Ali, a doação é revelada como ato simbólico, destinado a selar os negócios entre a Coroa Portuguesa e os cristãos novos que com ela se associaram na exploração do pau-brasil. A cronologia mais parece um “romance de contos” misturando tipos vivos do imaginário com personagens reais do nosso passado social, econômico e político, desde os primeiros fatos e conflitos nos tempos da Terra de Santa Cruz, envolvendo o naufrágio de um tumbeiro, invasões, tentativas de domínio, transformação em prisão de militares e civis, palco de privações, ganâncias, fugas, assassinatos, rebeldias; prostituição e corrupção que duraram até a Segunda Guerra Mundial. Personagens inusitadas e complexas da nossa formação cultural buscando sobrevivência, conquistas pessoais ou sociais em convivência com políticos de nosso passado histórico. De conto em conto, multiplicam-se os tipos que os retratam: o líder cabano; um farroupilha mameluco; o rebelde mestre capoeirista; o frei que contestava os decretos papais; a rebelde salteadora baiana descendente de franceses maranhenses e de africanos islâmicos; um ajudante de linotipista envolvido com a Revolução Praieira; os escravos que serviram na Guerra do Paraguai lutando por direitos assegurados; uma professora vivendo de lembranças. Gente dos mais diversos ofícios e atividades, desde os primeiros habitantes, retratados com beleza e estilo. Protagonistas que experimentaram o degredo por assassinatos bárbaros, os que foram presos por seus ideais políticos, muitos sequer com condenações formais; temporalidade que vai de séculos passados até quando o arquipélago se tornou o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, um dos pontos turísticos mais belos do País. Ao sertanista de outras obras (Sertão do São Marcos, Sertão d’Água, Sertão do Reino, O Povo de Belo Monte), juntou-se um dia o poeta e retratador dos povos amazônicos (Oração de Floresta e Rio, Vaqueiro Marajoara, Amastor, Subidos) e agora se junta o Quinan litorâneo e agreste, histórico e sociológico, criativo e pesquisador em O Nome na Pedra.
Glauco Luz

Serviço:

O Nome na Pedra
Marcos Quinan

Scortecci Editora
Contos
ISBN 978-65-5529-771-3
Formato 14 x 21 cm 
208 páginas
1ª edição - 2022

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