SERTÃO DO SÃO MARCOS / Marcos Quinan
O Tropeiro na estrada ligando fatos, personagens. O padre, o dono da venda, o fazendeiro, a dona da pensão e demônios variados do imaginário popular. A ética da gente simples, suas malezas, sua religiosidade. Universo temperado com a linguagem oral do interior de Goiás no início do século passado e trabalhado com originalidade e vigor. Uma receita de brasilidade em cada conto. Somando memórias de infância e adolescência às informações de pesquisa histórica e de linguagem oral da região como uma Macondo muito particular, tramando histórias e personagens com liberdade de estrutura narrativa que resulta num quase romance em contos. No eixo central o tropeiro Baldino, funcionando como elemento de comunicação entre os habitantes, personagens ora inventados, ora resgatados e recriados, que vão aos poucos povoando aquele sertão, depois chamado Distrito Arraial de N.S. da Conceição, Distrito de Vai Vem, Município de Entre Rios, até chegar a Ipameri, onde o escritor aporta, no livro, pela via do poeta. (A. T.) Saía dos pensamentos, tirava o chapéu, alinhava os poucos cabelos. De olhos baixos, assistia à passagem do cortejo já com a porteira aberta. Nessa hora, o tempo parava. Até o ranger do carro de bois passando ao longe parava. O sanhaço calava seu canto em cima do moirão da porteira. Respeitador. Vento soprava lento em acompanhamento. Fartura de gente. Bom homem o Clemente. Atrás do Climério, ladeando, dona Ana seguia. Hora mais boa do vivente, hora da morte... Dos velórios gostava não. Tempo de espera, se o falecido faleceu. Gostava não. Só ladainha e o esconder do malfeito, porque só defunto honrado demais foi, bondade demais teve. Por isso preferia os enterros. Os seis carregando calados o peso do bem e do mal, sem carecer de balança, pensava Joaquim. Como pode um artista guardar por tanto tempo um talento desse, em que infinito espaço da alma, morada dos dons e da sabedoria, o alojou, dada a sua importância; como suportou o peso desse universo sobre os ombros, à espera do tempo de lançá-lo. Quanto tempo de abstinência e sustentação, quantos anos de labor interminável, quanta certeza de acerto e qualidade, quanto amor à arte e quanto saber fazê-la. Marcos, amigo, parceiro, mago confidente dos poetas e dos violeiros, assustador de estrelas, mestre de pouca idade e sobretudo artista. Vejo-o radiante arremessar ao mundo esse universo, esse Sertão, nosso, do São Marcos, esse sertão seu de cada dia, onde tropeiam o homem, o poeta, o compositor, o pintor, o escultor, o missivista, o visionário e agora o contista, a nos entregar o fornecimento, o Sertão do São Marcos, tesouro arrancado do próprio destino, marcado pelos cascos de Ojero, Borborema e pelas botas infatigáveis de Baldino e sua tropa.
– Obrigado, seu Marcos.
– De nada, seu moço.
Joãozinho Gomes
Serviço:
Sertão do São Marcos
Contos
Marcos Quinan
Scortecci Editora
Contos
ISBN 978-65-5529-458-3
Formato 14 x 21 cm
228 páginas
2ª edição - 2021