A VIDA... QUE VIAGEM! 2 / Regina de Castro Pompeu



Poucos momentos antes de sua morte, estive com ela. Pensava que, sob efeito de pesada medicação, nossa conversa seria apenas o toque, o aperto de mãos, o abraço apertado em meio aos poucos fios que a ajudavam a respirar melhor. Mesmo assim, apertando suas mãos, comecei a falar com ela sobre o nosso convívio, ao longo de décadas. Falava da minha admiração pela forma inteligente que ela mediava discussões, pela sua incrível memória. Da didática que fazia inesquecíveis suas aulas. Falava do seu amor pelos livros. Do seu gosto musical e sua admiração pelos clássicos. Do ballet, que foi uma de suas paixões. E da paixão pelas viagens e pelo conhecimento. Recordava, ainda, seu profundo domínio da nossa língua e sua escrita impecável. E sobre seu humor. Ah, o humor! Era a marca das nossas conversas. Ríamos, sempre, de tudo e, sobretudo, de nós mesmas. Sempre. Nos tempos mais recentes, quando a doença se apresentava implacável, rimos dela. Muito. Rimos ainda, com os olhos marejados, das dores e do sofrimento. E rimos muito mais quando falávamos sobre Regina ter, com sua força e determinação, desmentido todas as previsões médicas e insistido em estar entre nós por mais tempo. Vejo, então, cair uma lágrima de seus olhos e nos despedimos. Regina vive.
Iara Gambale

Naquele dia foi diferente, ela entrou com um livro na mão, de sua autoria, para presentear-me. Vestia-se graciosamente, usando um chapéu; a intenção era cobrir a calvície, causada temporariamente pelo tratamento a que se submetia, porém acrescentava-lhe um charme. Sentamos e conversamos por quase duas horas, sem falar em problemas, somente desfrutando de sua história de vida, suas conquistas ao longo do tempo. Sem que percebêssemos, o tempo passou, naquele dia, apenas bebendo água, ouvindo-a falar e falar e falar e eu querendo saber mais. Também tive meu momento, contando parte da minha história, pois ela queria saber mais sobre quem estava por trás daquela figura profissional. Depois desse dia tudo mudou, foi rompida uma barreira e invadimos uma a vida da outra. Os encontros eram frequentes e sempre recheados de um pouquinho mais sobre nossas vidas. Dessa forma, tivemos bons e não tão bons momentos, tornando o laço da amizade a cada dia mais forte. Nossos pares de jornada foram envolvidos, permitindo que não houvesse nada que não soubéssemos uma da outra. Ao longo de poucos mas infinitos anos, conheci uma mulher inteligentíssima, de um conhecimento literário como ninguém. Conheci uma mulher alegre, culta, com vários tons de bom humor, que amava a vida. Suas maiores paixões eram o filho e a neta, e com seu parceiro vivenciou suas melhores aventuras. Ficamos juntas até o fim de sua jornada aqui, nesta terra. Tivemos a oportunidade de nos despedir e marcar um encontro na eternidade. Nesse último momento, juntas, ela me entregou um presente, o qual eu não queria receber, pois a dor da partida iminente era muito intensa. Porém, ela insistiu que eu abrisse a caixinha, onde havia um colar, com o símbolo do infinito, representando nossa amizade. Então, ela disse: “Hoje é 23 de fevereiro. Feliz aniversário, amiga!”. Chorei, foi impossível segurar as lágrimas. E ainda não era 23 de fevereiro! Como alguém passando pela experiência do ir embora, lúcida, consciente, deixando seus amores, poderia ter a grandeza daquele momento? Não acabou aí. Pediu que ficássemos sozinhas para a despedida e fez uma piada. Rimos! Nos abraçamos e foi a última vez que a encontrei. Essa era a Regina, grande mulher, mãe, avó, escritora, mas o mais importante: minha amiga!
Dra. Sílvia Scolfaro

Serviço:

A Vida... Que Viagem! 2
Regina de Castro Pompeu

Scortecci Editora
Biografia
ISBN 978-85-366-6522-1
Formato 14 x 21 cm
144 páginas
1ª edição - 2023
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