ANABEL, BRÁS TEODORO E O POVO DO BELO MONTE / Marcos Quinan



Uma reflexão sobre o episódio de Canudos, assunto recorrente nas manifestções do autor e objeto de permanente pesquisa na sua vida. Nele está presente o desassossego e a brasilidade interagindo com a percepção de nossa história. Brás Teodoro, um pintor famoso que, ao iniciar uma nova série de pinturas sobre o tema Canudos, começa a ter visões e alucinações que o acompanham durante seus experimentos novos ao mesmo tempo em que, sua convivência com a estudante Anabel o colocam ora no presente, ora no passado, numa alucinação cotidiana ao pintar a série O POVO DO BELO MONTE. É baseado em pesquisas sobre a época e diversos estudos sobre o episódio de Canudos.

A alegoria do livro Anabel, Brás Teodoro e o Povo do Belo Monte, do Marcos Quinan, me pegou pela mão e me arrastou. Sumiu comigo. E me deixou, me perdeu. Fiquei! Nada no livro é de soslaio, tudo é de frente. Por vezes, a leitura me remeteu a Guimarães Rosa e a João Cabral. Mas, de tão uno e indivisível, Quinan se fez plural — disso estou certo. Ele se pôs à minha frente, instigante, misterioso, a me puxar para dentro de um mundo que é seu, mas que agora é meu, é do Brasil e é também de todas as gentes, de todos os credos, de todas as raças, cores e gêneros. E assim senti pulsar em meu peito o Brasil com que tantos sonhamos: igualitário, generoso e democrático, que haverá de nos redimir. E não é que Quinan e suas figuras dramáticas, sejam elas de carne e osso ou alter-egos, mostram-se ardorosamente apaixonadas entre si e pela história de Antônio Conselheiro, em sua saga em Belo Monte? E ele seguiu movimentando seus personagens, como aquele que, em suas palavras, “chegava pela grota tateando com a vara as paredes. Seus olhos cegos agora enxergavam a conciliação que punha no estalar do brado solitário, com voz firme, inteiriçada, alastrando o perdão: ‘Recolham as armas/ E salguem os punhais/ Que a aurora seja perfumada/ E a lua nasça nos quintais/ E nas ruas corram proclamas/ Desobrigando os leais/ É chegada a hora/ Da confiança nos beirais/ Uma nova lei escrita/ Nas canções dos desiguais/ Deixando valor nascer/ Na verdade dos mortais’.” A essa altura, eu me via delirante. Mas Quinan, ao final do livro, talvez para não dar chance a mal-entendidos, expôs algumas de suas telas e transcreveu alguns de seus poemas, dando cara, assim, a tudo o que revelara, extrapolando a dramaturgia, dando-lhe tento — fatos vividos, revividos, postos a prumo. De tudo ele se valeu em sua visita ao passado (Belo Monte), que pesquisa há tempos, e ansiava trazer a lume para o futuro que tem presente em si, entranhado como a poeira do sertão que lhe cobre até os ossos. O verdadeiro amor pela história, em meio a pesadelos e sonhos delirantes... eis aqui um cantador brasileiro, verdadeiro restaurador de fragmentos que traz grudados à memória, mantendo-os íntegros e vibrantes.
Aquiles Rique Reis - Março de 2024

Uma história que nos arrebata. Relatos de personagens trazendo nas entrelinhas quem foi Antônio Conselheiro, o que representaram suas andanças e seus ensinamentos. Sua fé e esperança na luta pelos direitos e deveres sem desrespeitar o humano de cada um. Ambientado no sentimento, nas características e expressões do Nordeste, na caatinga e na reconstituição da época e do Belo Monte, verdadeiro nome do lugarejo concebido pelo Beato e seus seguidores. Pedaço do passado que nos leva a muitos fatos ainda hoje presentes nas brenhas do sertão nordestino e na periferia das grandes cidades. A resistência à República por figuras mais proeminentes do que um simples Beato não existiu? Ou os acontecimentos foram uma busca de protagonismo do Exército cedendo patentes por interesses desde a Guerra do Paraguai, quando aliciou escravos com promessas nunca cumpridas, restando reunir até apenados em presídios para aumentar a tropa e dizimar os “perigosos” inimigos da República?
Tenho certeza de que cada palavra ombreada com os fatos vai contribuir, e muito, para uma reflexão sobre tudo isso. Coisa que esse artista brasileiro, de tantos sertões e brasis, tem feito insistentemente em suas criações, mesmo que pareçam em vão. Uma história instigante. É como se ela estivesse nos perguntando:
— Quando é que vai acabar essa outra forma de escravidão que vagueia por aí? Quanto tempo falta para cuidarmos melhor da nossa cidadania e viver com mais dignidade?
Marcos Quinan é goiano, nascido em Ipameri. Vive desde os anos 80 em Belém (PA). Autodidata, por isso se coloca frente a frente com a intuição: não há limites para sua sensibilidade na construção de sua obra, seja na música, pintura, literatura ou em outras atividades culturais. É assim que lida com a criação, tentando desvendar, aprender e retratar o Brasil também por meio dos trabalhos de outros artistas desde que, na juventude, junto com Paulo Roberto Vasconcelos, fundou a Companhia Teatro do Autor Brasileiro e, nos anos 80, com Roseli Naves e Nilson Chaves, a Gravadora e Editora Outros Brasis. Nos anos 90 começou a nos mostrar o compositor por meio dos álbuns Canção dos Povos da Noite, Dentro da Palavra, Rio do Braço, Abrigo para um Violeiro Andante, Um Lugar Chamado Roncador e São José Diligente, reunindo parceiros e muitos cantadores (duas composições pertinentes a esta história podem ser ouvidas pelos links indicados). Na literatura, com os livros de contos Sertão do São Marcos, Sertão do Reino, Encenações, O Nome na Pedra; os romances Sertão d’Água, Amastor, Subidos; sua poesia em Oração de Floresta e Rio, Vaqueiro Marajoara, Jeito de Sentidor, Gestos de cada Lugar; e no teatro, com o musical São José Diligente. Das quase trezentas telas pintadas desde então, dezesseis delas fazem parte da história aqui contada, assim como sua poesia. Anabel, Brás Teodoro e o Povo do Belo Monte é mais uma obra sobre a trágica história de Canudos, assunto recorrente nas manifestações e objeto de permanente pesquisa na vida desse parceiro querido que, como seu personagem — o pintor Brás Teodoro —, acredita no deus e no demônio que está dentro dos homens e no amor que leva no coração.
Eudes Fraga

Serviço:

Anabel, Brás Teodoro e o Povo do Belo Monte
Marcos Quinan

Scortecci Editora
Contos
ISBN 978-85-366-6712-6
Formato 14 x 21 cm
164 páginas
1ª edição - 2024
Voltar Topo Enviar a um amigo Imprimir Home