FAIXAS ASSOMBROSAS / José Eduardo Ferreira Santos

Esses textos são momentos nos quais quis selecionar algumas canções que me despertaram muitos sentimentos e desejos de entendimento. São sínteses do desejo de encontrar a beleza nas canções populares do Brasil e algumas do mundo. Uma música carrega em si algo desse desejo de eternidade que possuímos. Em mim percebo cada vez mais na experiência de satisfação após dissecar cada composição na atitude da escuta como exercício de dialogar com esses autores, cantores e instrumentistas. Os CDs e as faixas assombrosas (no bom sentido) são aqueles que se fizeram tão presentes em minha vida que certamente alguma influência devem ter deixado em mim. São assombrosas porque são grandes trabalhos, feitos com unicidade e sentido e também porque me acompanham como companheiros de caminho, com os quais pude viver muitos momentos de minha vida nos últimos vinte anos quando sistematicamente comecei a escutar música em casa, com regularidade. Geralmente as faixas são canções brasileiras e do mundo inteiro, mas o que me aproximou delas foi essa intensa capacidade em transpor as barreiras do tempo e do lugar, cativando cada um com aquilo que há na canção, onde a interpretação ou o encontro entre os artistas me fascinaram e me provocaram de um modo tal que não consigo esquecê-las. Já os CDs são aqueles que, inteiros, foram muito especiais porque são de uma beleza e criatividade estonteantes. Talvez por acaso o mais novo trabalho desse jovem pescador de pérolas, que é José Eduardo, comece mergulhando nas águas aparentemente turvas onde navega a voz e o trompete de Louis Armstrong. Porque Walter Wendhausen - esse o nome de meu amigo pintor - era um apaixonado por Satchmo, mas também por Aracy de Almeida, como, bem mais tarde, construiria altares para Mãe Quelé, Clementina de Jesus. Artistas assombrosos, entranhados de uma matéria prima que chamo de estranheza. Devo a ele, e muito, esse olhar atento para o que está aparentemente invisível.

E a estranheza parece também fascinar o autor deste mapeamento musical, na medida em que, igual ao pintor, ele também coleta esse material e o recicla através de suas percepções, próprias de quem se habituou a botar reparo na matéria prima que a olhos e ouvidos distraídos passou desapercebida. Chamo a isso a "arte de prestar atenção". E assim como aquele outro amigo construía quadros com as sucatas que reciclava, José Eduardo Ferreira Santos nos faz gravitar num vertiginoso universo onde nos assombra, no sentido luminoso da palavra, mapeando sentimentos e sensações que fazem parte de nossa cultura, fazendo-nos protagonistas de cada momento em que uma canção foi vistoriada com a lupa que o autor traz sempre consigo, botando reparo nas estrelas que Orestes Barbosa espalhou em seu luminoso chão. E ele, nada distraído, as coleta ao invés de pisá-las, e as ilumina sob um prisma luminoso que é um dom próprio dos poetas.
Hermínio Bello de Carvalho

José Eduardo Ferreira Santos nasceu no Subúrbio Ferroviário de Salvador, na área conhecida como Novos Alagados, em Plataforma. Filho de Maria Helena Ferreira Santos e José Silva Santos, é Pedagogo (UCSal), mestre em Psicologia (UFBA), doutor em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia e Pós-Doutorando em Cultura Contemporânea (PACC ? UFRJ). Atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Psicologia da UFBA, na condição de bolsista CAPES (Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo PNPD (Programa Nacional de Pós Doutorado). Trabalha desde 1994 com projetos sociais na área de Novos Alagados e se dedica à pesquisa e intervenção desde 1996, a partir das mudanças ocorridas nessa localidade. Nos últimos anos tem realizado trabalhos na formação de professores e publicado artigos em revistas e livros em âmbito nacional e internacional. É autor dos livros Travessias: a adolescência em Novos Alagados e Novos Alagados: histórias do povo e do lugar (ambos pela EDUSC, 2005) e Cuidado com o vão: repercussões do homicídio entre jovens de periferia (EDUFBA, 2010) onde analisa oportunidades e riscos presentes em contextos de vulnerabilidade social. Publicou em 2013 o livro Nascente da beleza: história, arte, religiosidade e música na cultura popular brasileira pela editora Scortecci. Após o doutorado o autor está desenvolvendo a pesquisa A arte invisível dos trabalhadores da beleza nas periferias de Salvador, em parceria com o fotógrafo italiano Marco Illuminati, descortinando o universo da cultura e da arte muitas vezes esquecido quando falamos do subúrbio da cidade. Atualmente é curador e responsável pelo Acervo da Laje, que reúne centenas de obras artísticas e históricas do Subúrbio Ferroviário de Salvador.

Serviço:

Faixas Assombrosas
José Eduardo Ferreira Santos

Scortecci Editora
Música
ISBN 978-85-366-3151-6
Formato 14 x 21 cm
204 páginas
1ª edição - 2013

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