POEMA DEITADO NO SEU PEITO, UM JOGO DE AMARELINHA / Ana Cristina Costa Siqueira

Poema deitado no seu peito, é uma coletânea de três décadas de poemas que não se fecham como uma trilogia, mas com certo encadeamento ou plexo entre suas ?nervuras? certamente desdobráveis, sendo poema e crônica, velozes e multiplicadoras, como são as ideias neste terceiro milênio. Por se tratar de um primeiro livro e ser o seu miolo recheado de palavras e possíveis incógnitas, espero que me encontrem alguns ávidos leitores, buscando na poesia algo além da atraente rapidez que os mantém no ?msn?, ou ainda, além da inevitável atração pela velocidade com que se sobrepõem as linguagens, tão afeita à contemporaneidade. Cada leitor, ao seu modo, há de capturar a beleza. A imaginação dos poetas tem sua carga de fome, como a gênese do corpo, a sua carga de universo.

Ana Cristina Costa Siqueira nasceu em Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais, em 1958. Graduou-se em Letras-Português pela Universidade Federal do Espírito Santo, morando em Vila Velha. Poeta, publicou na Revista POISÉ (DCE/UFES, 1983), na coletânea Escritores Brasileiros (1985), Editora Crisális, e na Revista LETRA, nº7, editada pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida (UFES, 1987). Publica, eventualmente, crônicas e artigos em jornais locais.

Ana Cristina Costa Siqueira não é apenas a mais discreta figura daquela geração, que no conturbado início da década de 80, no afã de escrever, tornou-se objeto de estudos acadêmicos (apud Francisco Aurélio Ribeiro, Reinaldo Santos Neves e Anaximandro Amorim). Era uma das que mais pensava no texto como um tecido previamente elucubrado, num ofício artesanal, numa conjugação entre significado e significante. Havia a efervescência literária, talvez eclodida pela luta reivindicatória em prol da plena liberdade de expressão. Tímida, mas logo identificada como produtora de um bem urdido texto poético, a autora não se deixou inebriar por arroubos juvenis.

Antes, poemas guardara, ou os vinha burilando sigilosamente, invertendo sintaxes, substituindo palavras aqui e ali, e buscando a sonoridade compatível com o seu propósito expressional. Temas por ela enfocados, cedo revelavam uma visão de mundo muito além daquela dos jardins universitários de então: enquanto a maioria bradava contra uma agonizante ditadura, a luta da autora era inteiramente voltada para as classes gramaticais e para as articulações sintáticas no sigiloso conluio com subversivas palavras. Nesse tempo, na UFES ministrava a Oficina Literária, a Prof. Deny Gomes, e de uma delas participara Ana. No Caderno Dois (in jornal A Gazeta), o irrequieto jornalista Amylton de Almeida fazia-se guru ou ácido crítico, assim odiado ou amado pelos artistas. Aliado a esses fatores o recente parque gráfico ufesiano vazão dava aos livros avalizados pela então ativa Editoria da Fundação Ceciliano Abel de Almeida. Dessa valorosa safra (Coleção Letras Capixabas), tive o privilégio de anunciar, em orelha, dois daqueles oficinandos de Deny: assim o foi com Paulo Roberto Sodré (Interiores, poemas, 1984) e com Ivan Castilho (O Deus do Trovão, contos, 1988).

Agora Ana Cristina Costa Siqueira, sob o título Poema Deitado no Seu Peito, a lume boa mostra de sua arte verbal põe. Subintitula ?um jogo de amarelinha?, com aquele divertimento folclórico, voltado para meninas, que consiste em pular sobre um desenho, a giz ou a carvão, riscado no solo. Nesse aspecto, remete-nos àquele famoso livro do peruano Júlio Cortázar, obra que possibilita alternada leitura de capítulos saltadamente, podendo ir e vir, qual na aludida brincadeira em que alcança um céu o saltitante vencedor. Tudo ao sabor do fluxo de consciência introspectiva, no qual oscilam e brincam com a mente subjetiva do leitor. Assim é o corpo do livro: poemas, crônicas, epístolas, narrativas ficcionais e outros indefinidos gêneros. Os poemas, em sua maioria, são os que desde idos tempos, compunham o inédito livro A Outra Genuina Tez, dos quais três foram publicados na revista Letra (nº 7, FCAA-Ufes, 1987). Poetisa essencialmente lírica pela extensão e pela longura, os seus versos lembram os caudalosos de Withman, derramados página afora; no entanto, não encontram, nesse tocante, similar em nossas Letras: cinéfila, original e intrigante é a sua imagética.

Lugar comum não se encontra aqui. Escritura laboriosa, de tantas reescrituras quantas pudessem conferir aquela rebuscada musicalidade bem aprazível a ouvinte aprecidor dos clássicos. Não é à toa que ambas as artes, cinema e música, sejam referências para ela. Estivesse no epicentro cultural (Rio-São Paulo) essa autora, por certo renderia assuntos entre especialistas que, com olhar treinado, logo identificariam em sua tessitura o ludismo, tal o da amarelinha, capaz de, do reles chão de comuns mortais, fazer-nos saltar para um céu estético.
Marcos Tavares - Autor de Gemagem e de No escuro, armados

Serviço:

Poema Deitado no Seu Peito, Um Jogo de Amarelinha
Ana Cristina Costa Siqueira
Scortecci Editora
Poesia
ISBN 978-85-366-2860-8
Formato 14 x 21 cm 
144 páginas
1ª edição - 2012
Preço: R$ 32,00

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